Capitulo
1
O barulho da máquina é ensurdecedor, mas não abafa
a confusão de vozes por detrás das cortinas verdes claras. Médicos, enfermeiros
e auxiliares e um grupo de jovens gritam uns com os outros. Ele observa as sombras
altas e algo distorcidas, braços no ar, vozes exaltadas e alguém a chorar. A
sua atenção é direcionada agora para a rapariga que está deitada, fios e mais
fios correm-lhe pelo torso. Ele repara que a máquina respira por ela. O peito
sobe e desce muito devagar.
Ele franze o sobrolho. Está de certo modo
intrigado; ouviu muitas histórias a respeito da jovem que está à sua frente e
nenhuma delas o convence que ela tem algo de especial. Afinal de contas… o seu
estado apenas confirma que ela é frágil e quebrável como todos os outros.
A sua mão afasta alguns cabelos negros da face da
rapariga. Uma cicatriz perto do olho esquerdo já muito antiga que provavelmente
passa despercebida a olhares desatentos.
“Não… não e não! Ela não!”
“O senhor tem que se acalmar-“
“Não me acalmo coisa nenhuma!”
“Artur, p-por favor!”
O sofrimento do outro lado do quarto é quase palpável.
Os amigos e familiares estão em choque com as más noticias que a equipa médica
lhes deu. Carolina Bertani está com morte cerebral e quanto mais cedo
desligarem as máquinas mais hipóteses têm de colher os seus órgãos saudáveis.
Ele respira fundo e o conflito que vai dentro dele é
refletido nos seus olhos esverdeados. Os seus pensamentos vão para tempos distantes
e memórias que não são de todo bem-vindas tomam conta dele. Uma promessa.
Promessas são supostamente algo sagradas, mas não para ele. Pelo menos, não o
são há milénios. Ele quebrou-as todas. Então porque é que agora haveria de
cumprir uma delas? Ela estava perfeitamente consciente do que ele era… do que
ele é. Ela sabia-o e, no entanto, obrigou-lhe a prometer-lhe que o faria; - que
a protegeria até ao fim dos seus tempos.
Raiva. Uma súbita cólera percorre-lhe pelas veias.
Ele agarra nos fios e puxa-os com tal força que deixa marcas visíveis no corpo
dela. Ele puxa-a para si e as suas caras estão a meros milímetros de distância.
“Parece que hoje é o teu dia de sorte,” ele sussurra, a sua fúria agora contida.
Ele assiste sem qualquer emoção. A rapariga
engasga-se no ventilador, os seus olhos de cor de avelã estão arregalados de
choque. Ela olha diretamente para ele.
A cortinas são imediatamente afastadas e dois
homens vestidos de bata branca correm até ela.
Carolina Bertani sabe que estão a falar com ela,
mas ela continua a fixar agora a parede branca.
“Como é que…”
Ninguém tinha resposta. O quarto ficou em total
silêncio. Tudo o que se ouvia era a sua respiração ofegante.
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